domingo, 22 de dezembro de 2013

O que é que a Granta tem? “Espelho da água” de Rui Cardoso Martins


Uma manhã normal a bordo de um cacilheiro que atravessa o Tejo, levando para Lisboa as suas hordas de trabalhadores. É assim que começa o conto de Rui Cardoso Martins, em que a normalidade rapidamente é colocada de lado quando os esforços para pescar um choco (outro choco na Granta?!) são interrompidos pelo cadáver de uma mulher a boiar nas águas do rio. Desse avistamento perturbante parte-se para um périplo por alguns dos viajantes do barco, que em breves instantes nos revelam o que lhes vai pela cabeça.

O conceito deste conto é interessante, sem dúvida, mas parece-me que a forma como as personagens foram compostas não contribui muito para o sucesso da história. Os detalhes das vidas das personagens, a forma como falam, até mesmo o tipo de personagens que encontramos naquele barco, tudo parece estar perigosamente próximo do cliché. Ao que acresce uma falta de coesão que é tanto consequência de um discurso diletante, com saltos abruptos entre discurso directo e indirecto que não conseguem tornar a leitura mais cativante, como de um ângulo não muito claro da história. Em alguns dos relatos confessionais dos passageiros, o cadáver a boiar parece ser uma ponte para os seus pensamentos, noutras nem por isso. A mulher morta e aquelas personagens estão portanto ali por acaso? Os pensamentos das personagens seriam os mesmos se não houvesse a morta? Talvez o objectivo seja só relatar uma viagem de pessoas que vão para Lisboa, numa abordagem de mera observação, sem qualquer propósito narrativo maior. Mas será relevante fazê-lo?

2 comentários:

  1. Eu gostei muito do conto. Na literatura, como no cinema, às vezes sabem-me bem as coisas simples, do dia-a-dia — a mera observação, como referes.

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  2. Eu também gosto às vezes de coisas simples, mas acho que muitas vezes na tentativa de fazer algo simples se acaba por fazer algo simplista. Neste conto, eu até aceitaria a abordagem simples (embora nesse caso retirasse a parte do cadáver na água, que acaba por não ser devidamente aproveitada), se a escolha das personagens fosse mais interessante. Porque é que nenhum passageiro era um estudante universitário ou um profissional liberal, por exemplo? Acho que colocar num cacilheiro pessoas de classe baixa, com empregos não qualificados, é uma opção muito fácil e que empobreceu o conto.

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