segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O que é que Granta tem? "Jazz, rosas e andorinhas" de Afonso Cruz



Dizia um professor meu que a objectividade era a explicitação de subjectividades. Sábias palavras que me obrigam a dizer-vos, desde já, que comecei a ler o conto do Afonso Cruz, “Jazz, rosas e andorinhas”, com um pé atrás e alguma curiosidade (ainda não tinha lido nada dele). Em tempos, na Pó dos Livros, folheei a “Enciclopédia da Estória Universal” e “O Livro do Ano” e de imediato se formou na minha cabeça a ideia de que o Afonso Cruz era um escritor algo pedante. Tenho uma tendência natural para achar que quem aposta demasiado na forma é porque não tem muito para dar em termos de conteúdo e aquela rejeição ostensiva de uma estrutura tradicional suscitou-me reservas. Mas estou sempre disposto a ler e a destruir os meus preconceitos.

Tendo lido “Jazz, rosas e andorinhas” tenho coisas más para dizer, mas também tenho coisas boas. Comecemos pelo mais difícil. Não gostei dos diálogos, achei-os muito pouco naturais. Convenhamos, conversar com um estranho que nos invadiu o quarto de hotel sobre a natureza do “eu” não é algo muito verosímil. E o diálogo, no início do conto, entre a personagem principal, Erik, e o seu amigo Isaac, deixa muito a desejar. Parece um aglomerado de frases pré-feitas às quais se tenta impor um sentido de coerência, mas que pouco mais conseguem do que uma conversa de surdos. A estes diálogos mancos junta-se um conceito excessivamente cerebral, que dá ao conto uma aura de superficialidade e de distanciamento que não me agrada, e uma imagem inicial, a do desiludido por amor que abraça nu um canteiro de rosas, que consegue a proeza de ser forçada mas ao mesmo tempo um cliché. E pronto, estamos falados quanto a defeitos.

Dito isto, o conto não é mau. A ideia, apesar de muito cerebral, é pelo menos interessante e memorável. Há um bom timming de narrativa, que torna a leitura fluida, mesmo que a escrita nem sempre seja tão musical quanto seria desejável. E há algumas ideias bastante poéticas, como a do homem que insiste em telefonar para uma casa vazia na esperança de encontrar a mulher que o deixou. Perante esta imagem, estamos até dispostos a esquecer o percalço inicial do abraço às rosas.


Resumindo e concluindo, “Jazz, rosas e andorinhas” não é um dos pontos altos da Granta, mas também não é um mau momento. É um conto eficaz o suficiente para deixar um leitor que não conheça Afonso Cruz com vontade de ler mais coisas suas. Eu vou ler, sem dúvida.

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